Nosso espetáculo não tem nada de erotização, nada de pornográfico, a não ser que isso esteja na sua cabeça.” A afirmação é de Marcelo Varzea, diretor de “O que o meu corpo nu te conta?”, do Coletivo Impermanente, em cartaz na Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba. Inicialmente, a peça tinha apenas duas apresentações previstas, para os dias 4 e 5 de abril, às 17 horas, na Casa Hoffmann. Devido à grande procura, ganhou uma sessão extra nesta terça-feira, às 19 horas.

O que o meu corpo nu te conta?” é um apanhado de relatos autobiográficos, íntimos e confessionais das atrizes e atores que compõem o elenco, envolvendo sempre seus corpos e os ocasionais traumas causados pelos diferentes tipos físicos. “Na verdade, o que estamos fazendo ali é desnudar a alma as pessoas”, explicou Varzea, durante entrevista coletiva na Sala Jô Soares. “No começo, a plateia fica meio incomodada com a nudez, mas isso passa em dois minutos.”

No palco, os atores são dispostos como se estivessem em um tabuleiro cênico. A plateia, por sua vez, não fica sentada nas poltronas, mas percorre o espaço ao seu bel-prazer, escolhendo as histórias a respeito de quais corpos quer ouvir. O resultado é que muitas dessas pequenas narrativas, que duram sempre quatro minutos e devem começar a terminar ao toque de um sinal, são contadas ao mesmo tempo.

O falatório simultâneo pode causar alguma estranheza inicial, admite o diretor. “Mas logo todo mundo consegue sintonizar e prestar atenção só no que está dizendo quem está na sua frente. Existe uma metáfora aí também, de você conseguir entrar em sintonia com alguém que acabou de conhecer.”

Se a peça é diferente até para o público de uma mesma sessão, a depender das histórias escolhidas, nem mesmo os atores têm uma ideia muito completa de como será cada apresentação. O diretor desenvolveu mecanismo que, a depender de alguns sinais, podem fazer a narrativa que cada um expõe variar durante a noite. Além disso, a recepção do público também pode alterar os humores e a maneira como cada pequena cena é feita. “O tempo todo mundo está muito vulnerável. A ideia não é fazer uma performance, é promover um encontro.”

A interação olho no olho deixa marcas tanto em quem faz quanto em quem assiste. “É muito forte isso de você trazer um acontecimento da sua vida e contar pra uma pessoa que você nunca viu antes. E às vezes essa pessoa chora com você. Você se sente acolhido”, observa o ator John Seabra. “Escrevi sobre um caso trágico da minha e me curei no palco, nessa peça”, completa Eduardo Godoy.

Para as mulheres, a experiência pode ter uma carga ainda maior. A atriz Thiene Okumura, que foi bailarina, em uma ocasião perguntou se o interlocutor achava ela gorda. O homem apenas acenou afirmativamente com a cabeça e foi embora.

É uma peça sobre o que eu sinto, mas sobre o que você também sente”, afirma Renan Rezende, outro que sobe ao palco. “Todos nós sentimos, temos desejos, anjos e demônios. Não tem como não se identificar.”

Até agora, o incidente mais grave registrado durante as apresentações de “O que meu corpo nu te conta?” foi o de uma senhorinha que preferiu abandonar o palco de ficar jogando no celular enquanto esperava a amiga. “É claro, tem quem vá pra ver gente pelada mesmo. E qual é o problema disso, de ter desejo?”, perguntar.

Mas, com tanta gente nua em um único palco, os atores costumavam fazer alguma preparação específica antes de entrar em cena. “Sim, banho”, respondem em uníssono.

Por Sandoval Matheus – Agência de Notícias do Festival de Curitiba.

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