Musical em homenagem ao cantor tem duas sessões a partir de hoje no Teatro Guaíra e cobre período que vai da infância até 2002, com destaque para a época do Secos & Molhados

Por Sandoval Matheus

Foto: Annelize Tozetto.

O musical “Ney Matogrosso – Homem com H”, em cartaz hoje e amanhã no Guairão, como parte da Mostra Temporada de Musicais do Festival de Curitiba, é uma peça totalmente política – ao mesmo tempo que de política não tem nada. Pode parecer um paradoxo, mas é apenas o mais perfeito reflexo do homenageado.

“O Ney é assim: ele nunca foi panfletário, nunca levantou bandeira”, disse na manhã desta segunda-feira, 01, durante entrevista coletiva no Hotel Mabu, a dramaturga Marília Toledo, que assina o texto do lado de Emílio Boechat. “O que é político no Ney era o que ele faz e fazia. Por exemplo, quando não obedecia ao censor da ditadura militar que mandava ele se vestir no palco. Aí é que ele tirava mais roupa ainda.”

Na época da ditadura, Ney Matogrosso explodiu à frente da poética e teatral banda Secos & Molhados, um sucesso estrondoso que desafiou o regime enchendo os palcos de tensão sexual. O período é tão importante na carreira do intérprete que ocupa quase todo o primeiro ato da peça. “O Ney é um acontecimento. É só você pensar em tudo o que ele fez, na época em que ele fez”, observa a diretora Fernanda Chamma. “E, apesar de todo esse sucesso, quando ele saiu do Secos & Molhados, saiu sem nada. Ele foi lesado”, opina o ator Renan Mattos, que vive Ney nos palcos. “Se é que eu posso falar isso hoje.”

Ao todo, o espetáculo cobre o período que vai da infância do cantor até o lançamento do álbum “Ney Matogrosso Interpreta Cartola”, de 2002. “É uma grande catarse. É uma vida de muita resiliência, muita transformação. Pra quem só conhece a carreira, e não a vida dele, a peça pega as pessoas em lugares muito delicados, muitos emocionais”, adianta Renan Mattos.

“O processo todo foi bem desesperador”, continua o ator, indicado ao Prêmio APCA de 2022 e vencedor do Prêmio Bibi Ferreira de 2023 pelo papel. “É muito desafiador fazer alguém da magnitude de Ney Matogrosso. Eu deitava no chão igual um feto e chorava.”

Algo que o próprio Ney, obviamente, jamais faria. “Eu sou muito emocional. Por outro lado, o Ney é muito racional”, explica Renan. “Ele sempre falava pra gente, orientando o roteiro: ‘eu nunca grito, eu chorei só umas duas vezes na minha vida’”, lembra Marília.

Pro falar nisso, Ney Matogrosso, conhecido por controlar todos os aspectos de seus shows, da escolha do repertório a figurino e iluminação, também acompanhou de perto o progresso da obra em seu tributo. “O roteiro teve mais de 20 versões. Ele via, revisava, pedia alterações, dava sugestões.”

Outro aspecto da personalidade de Ney abordado na peça é o desprendimento. Em uma cena, depois de não conseguir depositar determinada quantia de dinheiro em um banco, Ney volta pra casa, joga um saco de dinheiro na mesa em que os amigos estão reunidos e fala: “Vamos gastar”. “Ele não é uma pessoa apegada”, diz Marília Toledo. “É claro que hoje ele tem uma estrutura financeira, mas ele vive com muito pouco, pode abandonar tudo a qualquer momento.”

E, claro, há ainda a bissexualidade, os romances – com Cazuza, por exemplo –, os beijos homoafetivos e a nudez, tudo no palco. Do contrário, não seria um tributo a Ney Matogrosso. Mas tem quem não tenha gostado. “No nordeste, muitas pessoas saíram do teatro”, conclui a dramaturga.

Redes Sociais