O ator Ailton Barros contou uma triste história pessoal ocorrida durante há anos numa peça da Mostra Fringe do Festival de Curitiba na coletiva de imprensa, na manhã desta sexta-feira (31). O relato do jovem artista abalou os presentes na sala Jô Soares, no hotel Mabu Curitiba Business. “A gente fica medindo palavra, mas uma hora tem que falar. Eu passei por uma situação de racismo e aquilo acabou com a magia do jovem Ailton que fazia teatro, porque me enxerguei como uma coisa”, disse.
Em meio a lágrimas e aplausos, ele falou do orgulho de retornar a Curitiba, agora na Mostra Lucia Camargo, desta vez com seu próprio grupo de teatro, o coletivo “Bonde”, que apresenta a peça “Desfazenda – Me Enterrem Fora Desse Lugar”. As apresentações serão nos dias 31 de março e 1º de abril, às 20h30, no Sesc da Esquina.
A peça é inspirada no documentário “Menino 23”, de Belisário Franca e Sydney Aguilar, sobre o sequestro e a escravização de 50 meninos pretos em São Paulo na década de 1940.
“Desfazenda” traz um debate que ecoa na história do Brasil. A diretora da peça, Roberta Estrela D’Alva, questiona se a sociedade está alerta aos perigos que homens e mulheres pretos ainda são submetidos. Para ela, a peça retrata uma ameaça, que aconteceu na década de 1940, mas que repercute nos noticiários atuais. “Um jovem preto morre a cada 23 minutos e isto é um resquício deste fazendeiro que sequestrou aqueles meninos no orfanato”. A diretora compara este elo histórico a um fantasma de 400 anos que ainda vive em uma supremacia branca. “Precisamos falar disto ainda? Sim! É um perigo real”, completou.
Marina Esteves é a única mulher no elenco que quatro atores. A entrega às necessidades da personagem que ela interpreta funciona como um meio de expressão para sua representatividade. A artista falou sobre a relevância das discussões de gênero e ressaltou a exclusão de mulheres pretas na sociedade. “Somos sempre as últimas a serem ouvidas, mas os meninos fazem um exercício constante de acolhimento da minha fala”, avaliou Marina.
Filipe Celestino, ator e cofundador do grupo “O Bonde”, expôs a necessidade da narrativa do racismo no teatro e na vida de pessoas pretas. Ele explica que não tem como “virar as costas” para isto, pois os crimes de racismo seguirão existindo. “Nossa luta é cansativa, mas é importante. Precisamos continuar fazendo este espetáculo porque não foi só ontem que isto aconteceu, foi hoje”, exemplificou o artista.
A naturalização das obras teatrais escritas por brancos transpassa uma falsa ideia de que autores pretos apenas racializam em suas escritas.
O ator Jhonny Salaberg declarou que as peças desenvolvidas pela equipe foram construindo maneiras de se comunicar com as pessoas, em específico as pretas. “Em Desfazenda-me, a resposta do público é o silêncio”. Salaberg contou que também sente uma surpresa vinda da plateia, por causa da linguagem e da história. “Estamos entrando em outras camadas para falar com quem assiste. Nossa próxima montagem falará de envelhecimento preto, se é que ele existe”, completou.
Serviço:
Sesc da Esquina (R. Visc. do Rio Branco, 969 – Mercês)
Data: 31/03 e 1º/4
Classificação: 14 anos
Valores: Os ingressos vão de R$ 40 (meia) até R$ 80 (mais taxas administrativas).
Ingressos: www.festivaldecuritiba.com.br e bilheteria do Shopping Mueller (piso L3), de segunda-feira à sábado, das 10h às 22h; domingos e feriados, das 14h às 20h.
Espetáculo conta com intérprete de Libras